domingo, 28 de janeiro de 2007

NO TEMPO EM QUE OS HOMENS ERAM MARXISTAS

Nesse tempo, todos os jovens (ou quase todos) eram marxistas. Para além de ser uma forma de afirmação e de rebeldia contra os mais velhos, sentia-se a necessidade de participar na vida activa das vilas e cidades. E ai o Marxismo era a resposta mais óbvia e imediata.Não esquecer que se viviam momentos imediatamente a seguir ao 25 de Abril, em que as preocupações sociais e as reinvindicações políticas eram imperativos de cidadania. Era o MRPP, a UDP, o PCP, etc, etc, e até a famosa F.L.A.V. (Frente de Libertação de Alhos Vedros), que davam o tom às conversas e indicavam o rumo a seguir aos mais jovens; eram (vistas as coisas, com o devido tempo e distância afectiva para melhor as poder pensar) ... eram uma espécie de ditaduras do pensamento, mascaradas com suposições de ideais de salvação do mundo em geral e do povo em particular .Recordo-me dos alunos da Escola Secundária Provisória da Moita (cá em baixo, em frente à Piscina e à Escola Primária) subirem às mesas da Sala de Alunos e gritarem: "Estamos de Greve". Um famoso membro da UEC (Juventude Comunista), salvo o erro o João Paulo, apresentou em Plenário uma Lista de reinvindicações justas e perfeitamente realizáveis: cadeiras estufadas para os alunos em todas as salas de aula, transportes gratuítos, a demissão de Professores que não se regessem pelas normas do Povo e o direito à greve sempre que os alunos considerem necessário. Tudo se pronuciava em voz bem alta, com confirmações de "!" e "Em nome do Povo". A Revolução estava a caminho!
E depois havia a "Auto-Crítica", espécie de confissão dos pecados políticos cometidos (sem a presença do Padre), em actos de pequeno-burguês (muito censurados na altura), tipo, não comparecer na Reunião do Partido, uma conversa com o vizinho de partido diferente e de aparência burguesa, a compra de objecto de valor, que poderia chocar a sensibilidade proletária, etc, etc.
Sou da opinião de que foram tempos de crescimento e de amadurecimento colectivo. Toda a gente participava em algo: no Partido, nas Associações na Comissão de Moradores ou em serviços de ajuda à Comunidade. Pena que não se tenham aproveitado essas experiências e que a História se tenha que repetir, ao ponto de sonharmos com a nova Revolução.
Quanto à FLAV, muito se poderia dizer, mas sobre isso o amigo Luís Gomes sabe muito mais que eu. Seja como for, essa organização deixou marcas nas nossas mentes, por tudo o que representava. Na verdade, nem existia formalmente, mas batia-se por ideais de autonomia de Alhos Vedros. Pode parecer ridículo, mas fazia sentido no seu tempo; entre as principais palavras de ordem, contam-se as seguintes:
- Pela autonomia de Alhos Vedros!
- Contra o Domínio exterior!
- Não à Baixa da Banheira!
Nesses tempos a entrada na União Europeia era uma impossibilidade estratégica. Alhos Vedros nunca receberia a Estrela Azul da U.E. como país federado e a Baixa da Banheira teria que falar outra língua não fosse haver para ai alguma confusão de identidade.
É claro que os tempos são outros e as sensiblidades são agora diferentes. Fosse lá algum Camarada, afirmar que queria ser Empressário? Nem sonhar com isso. Era na altura o equivalente a alguém que hoje tivesse a veleidade de desejar ser Professor (mais ou menos isso). Era uma afronta! Seria linchado ou banido do mapa politico, ou no mínimo, acusado de pequeno-burguês ou parasita da sociedade. Todos os homens de bem teriam de ser proletários, benfiquistas (isto sou eu a brincar, recordando o lema do Bom Chefe de Família) e vassalos do "Bem Comum". Gritava-se ao ritmo de Marx:
- "Proletários de todo o Mundo: uni-vos!"
Luís Mourinha

9 comentários:

ESTÓRIAS DE ALHOS VEDROS disse...

Ainda havemos de rescrever a História da FLAV, com todas as Estórias que conseguirmos recordar.

Fica aquium desafio, aos Coordenadores deste Blog e a todos que sobre ela consigam recordar e até mesmo ficcionar.

Luís Mourinha

ESTÓRIAS DE ALHOS VEDROS disse...

Sobre a FLAV não poderei acrescentar grande coisa. Lembro-me que, aqui e ali, muita gente usava a expressão, mas saia em jeito de brincadeira. Eu também a utilizei amiúde. Enfim, eram tantas as Frentes de Libertação que Alhos Vedros também merecia a sua. Ainda hoje existe um blog, Alhos Vedros ao Poder, que, creio eu, terá qualquer relação com isso...

Mas já agora, achando o desafio curioso, lanço-te a pergunta de volta: E agora o que és?
Continuas Marxista?

Luis Carlos

Gi disse...

"No tempo em que os homens eram marxistas"...e as mulheres também :)
Não posso deixar de sorrir ao lembrar a força do colectivo de então. Pensávamos nós que conseguiamos mudar tudo só pela vontade de mudar...e constestar.Muito! :)

Fico a aguardar o(s) desenvolvimento(s)

Gi disse...

"No tempo em que os homens eram marxistas"...e as mulheres também :)
Não posso deixar de sorrir ao lembrar a força do colectivo de então. Pensávamos nós que conseguiamos mudar tudo só pela vontade de mudar...e constestar.Muito! :)

Fico a aguardar o(s) desenvolvimento(s)

ESTÓRIAS DE ALHOS VEDROS disse...

Em resposta à Gi:

Os Homens portugueses, no sentido universal (incluindo aqui o género feminino)eram marxistas. Era na altura uma forma de pensar dominante (padrão)influenciada pelos acontecimentos pós 25 de Abril.
Apesar dos excessos, muitas eram as virtualidades. Foi a descoberta das nossas liberdades individuais, incluindo as liberdades reconhecidas às mulheres e aos jovens, como seres com identidade própria, com direito à participação na vida política e no trabalho, com o privilégio da palavra e do salário igual.
Por isso viva o 25 de Abril.
Não devemos esquecer isso!
Até porque ainda falta fazer uma outra revolução!

Se o marxismo tinha defeitos, não esquecer que Marx viu longe: antecipou uma visão dialéctica da História, em que se previam as mudanças que estão a ocorrer. Antecipou o Capitalismo, que agora se instalou, com uma novo nome: o neo-liberalismo.

Luís Mourinha

ESTÓRIAS DE ALHOS VEDROS disse...

Luís Carlos,
puxa pela cabeça, que eu vou fazer o mesmo: a FLAV fez parte de uma certa forma de pensar que para além de ter piada, era um simbolismo da nossa vivência.

Há Estórias por ai que recordam essa "coisa" engraçada que se dizia de Alhos Vedros autonomo e diferente de tudo o que existia à sua volta.

Eu, Marxista como todos naquela altura, confesso: Marxista inconsciente, nas fileiras do MRpp, da UDP, escondido, inseguro, mas com convicção.
Anarquista sempre! Reflexivo e crítico. O meu sonho era ser um qualquer "sem abrigo" livre dos grilhões do Estado repressor. Ou então, Hippie convicto de cabelo longo e a dar largas à minha criatividade. Mas para isso, teria que pedir autorização à minha família, porque não vivo sózinho.
Perguntei à minha mãe e ela disse: "NÃO".O meu Pai não está cá:partiu! O meu filho não concorda, porque é filho das novas tecnologias e de uma forma de vida mais comoda...
Enfim, vou sendo o Anarquista possível, não alinhando com visões partidárias(parciais, partidas)da vida e fazendo de mim um ser que tenta pensar por si próprio em conjunto com os outros que me rodeiam. Ou seja, sou um anarquista dos novos tempos, à maneira da minha formação pessoal- filosófica: não sou carneiro de um rebanho imposto. Procuro os animais com quem desejo viver, fugindo dentro do possível às imposições exteriores.

Um abraço!

Luís mourinha

ESTÓRIAS DE ALHOS VEDROS disse...

Esqueci-me de dizer: o meu Marx não é o político, de quem se fizeram interpretações propiciadoras do socialismo Científico. O meu Marx é o Marx filósofo e doutrinário.
Lembro-me o que ele disse a propósito de criticas que lhe fizeram ao Manifesto do "Partido Comunista": eu próprio não sou marxista. Não sei sei se era esta a transcrição exacta daquilo que ele disse, mas a ideia era a seguinte: há mais papistas que o Papa; alguns fizeram do marxismo, uma outra doutrina, que não o próprio marxismo. Eram os marxianos!

Luís Mourinha

Estudo Geral disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Estudo Geral disse...

Então e a Gi? "Onde é que você estava quando se fez o 25 de Abril"? Continua Marxista?

Luis Santos