Quis sair sozinho. Saltei do autocarro. Já era crescido, um homem capaz de desalojar autocarros de gente grande. Estalei energicamente a porta manual do gigante verde.
Perto do Forno da Cal, o pai anunciou: “vamos morar naquele bairro… ali”. Emocionado, estremeci ainda preso à mão protectora. Tudo era novo e surpreendente.
Uma agitação imparável de Galeras aninhavam-se junto à Corticeira: entravam e saiam mulas enjoadas num esforço de carrego. “O que é isto?” – perguntei. Indiferente o pai continuava em direcção à Quinta de S. Pedro. Insisti: “Isto é o quê?” Por fim explicou-me: “ é a Corticeira Ibérica, uma fábrica de Cortiça. Em Alhos Vedros há muitas.”
Recordo-me ainda hoje de ter feito um interrogatório interminável, repleto de porquês, enquanto, puxado pela mão, me extasiava de tanta novidade. Tudo era novo e surpreendente; as paredes brancas de uma cal recente e o vai - vem dos fatos de macaco café- com – leite dos ardinas, emprestavam ao local um colorido fantástico. As mulas angustiadas e sofridas contrastavam com o brilho metálico dos camiões de lata, poucos em número, mas já demarcavam sinais de uma revolução industrial qualquer. De olhos vendados os animais trabalhadores transportavam preguiçosos os fardos quadrangulares, piscando os olhos ao ritmo das moscas oportunistas.
Comparável a esta azafama só mesmo as movimentadas viagens às Festas da Moita. Embarcávamos na Bela Rosa, onde o Xico Valério tinha concentrada toda a frota de carroças gigantes. Em bancos corridos cobertos de mantas coloridas, famílias inteiras assentavam a expectativa da folia prometida. Depois, à ordem do mestre, as Galeras enfileiradas rumavam para as alegrias profanas da Nossa senhora da Boa Viagem. Era divertido! Em agitação, cantava-se ao som do acordeão ou do fado desgarrado. Outros, porém, mendigavam um lugar mais à frente, na Rua das Fábricas, onde, por sorte e vontade conseguiram ainda um espaço generoso no chão de madeira. À frente, o condutor marcava o ritmo em trote de festa, dirigindo uma parelha enfeitada, anunciando já a proximidade das festas prometidas. E todos os anos se repetiam estes Setembros promissores, sempre diferentes, compensadores e deleitosos.
De mãos nos bolsos, olhei-me e senti o orgulho adulto de umas calças à boca de sino e de uma camisa aos quadrados, cuidadosamente preparadas pela minha mãe. Em baixo, o brilho de uns sapatos de verniz. Tudo era novo: casa nova, roupa nova… tudo novo e promissor. Puxado pelo braço, entrámos na Rua da Corça, vizinha da cortiça e sempre visitada pelo rio.
- “Daqui vai-se para Lisboa, não é?” – pergunta retórica, para mostrar que sabia.
- “Sim. Para Lisboa e para todo o lado… é o rio Tejo”.
Ao longe avistavam-se os montes brancos das salinas. A luminosidade da manhã, ainda tímida, dava um tom etéreo à Quinta de S. Pedro. O cheiro a humidade resultado de um misto a terra mole banhada pelo sol, submisso e reflectido nas águas lentas do Tejo, davam o cenário e enchiam os sentidos de uma experiência inesquecível.
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Perto do Forno da Cal, o pai anunciou: “vamos morar naquele bairro… ali”. Emocionado, estremeci ainda preso à mão protectora. Tudo era novo e surpreendente.
Uma agitação imparável de Galeras aninhavam-se junto à Corticeira: entravam e saiam mulas enjoadas num esforço de carrego. “O que é isto?” – perguntei. Indiferente o pai continuava em direcção à Quinta de S. Pedro. Insisti: “Isto é o quê?” Por fim explicou-me: “ é a Corticeira Ibérica, uma fábrica de Cortiça. Em Alhos Vedros há muitas.”
Recordo-me ainda hoje de ter feito um interrogatório interminável, repleto de porquês, enquanto, puxado pela mão, me extasiava de tanta novidade. Tudo era novo e surpreendente; as paredes brancas de uma cal recente e o vai - vem dos fatos de macaco café- com – leite dos ardinas, emprestavam ao local um colorido fantástico. As mulas angustiadas e sofridas contrastavam com o brilho metálico dos camiões de lata, poucos em número, mas já demarcavam sinais de uma revolução industrial qualquer. De olhos vendados os animais trabalhadores transportavam preguiçosos os fardos quadrangulares, piscando os olhos ao ritmo das moscas oportunistas.
Comparável a esta azafama só mesmo as movimentadas viagens às Festas da Moita. Embarcávamos na Bela Rosa, onde o Xico Valério tinha concentrada toda a frota de carroças gigantes. Em bancos corridos cobertos de mantas coloridas, famílias inteiras assentavam a expectativa da folia prometida. Depois, à ordem do mestre, as Galeras enfileiradas rumavam para as alegrias profanas da Nossa senhora da Boa Viagem. Era divertido! Em agitação, cantava-se ao som do acordeão ou do fado desgarrado. Outros, porém, mendigavam um lugar mais à frente, na Rua das Fábricas, onde, por sorte e vontade conseguiram ainda um espaço generoso no chão de madeira. À frente, o condutor marcava o ritmo em trote de festa, dirigindo uma parelha enfeitada, anunciando já a proximidade das festas prometidas. E todos os anos se repetiam estes Setembros promissores, sempre diferentes, compensadores e deleitosos.
De mãos nos bolsos, olhei-me e senti o orgulho adulto de umas calças à boca de sino e de uma camisa aos quadrados, cuidadosamente preparadas pela minha mãe. Em baixo, o brilho de uns sapatos de verniz. Tudo era novo: casa nova, roupa nova… tudo novo e promissor. Puxado pelo braço, entrámos na Rua da Corça, vizinha da cortiça e sempre visitada pelo rio.
- “Daqui vai-se para Lisboa, não é?” – pergunta retórica, para mostrar que sabia.
- “Sim. Para Lisboa e para todo o lado… é o rio Tejo”.
Ao longe avistavam-se os montes brancos das salinas. A luminosidade da manhã, ainda tímida, dava um tom etéreo à Quinta de S. Pedro. O cheiro a humidade resultado de um misto a terra mole banhada pelo sol, submisso e reflectido nas águas lentas do Tejo, davam o cenário e enchiam os sentidos de uma experiência inesquecível.
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