A MINHA PRIMEIRA NAMORADA
A Júlia foi a minha primeira namorada. Era filha da vizinha Natália e vivia num rés-do-chão de telha vã, no enfiamento de um dos lados da praça imperfeita onde a miudagem se arrogava de preceitos de propriedade e dava guarida a brincadeiras e a dois passos da qual se situava a porta da minha casa. Foi assim que nos vimos e nos mostrámos e isso passou-se desde que os meus calçõezinhos se apeteceram de rabear pelo piso arenítico do jardim Entre a meia dúzia de miúdas que por ali orbitavam com idade rondando a minha, foi por ela que o meu beicinho se deixou cair. São coisas do coração, não há em elas razões que tenham a ver com a nossa vontade.
Eis então a Júlia, o meu primeiro amor.
Tudo contado, desde o momento da primeira jura de eterna paixão, com os interregnos esperados entre quem cresce, ainda namorámos três anos. Aconteceu desde os dez anos de idade do último degrau da instrução primária até aos treze da minha entrada no Liceu. Ela é um ano mais velha.
Oh se crescemos juntos…
Enfrentámos muita saraivada e, sempre cúmplices, nunca perdemos a confiança mútua e uma solidariedade quase sem limites. Da incólume passagem pela agressão de um quarteto de mariolas, no Barreiro, quando a caminho para uma das primeiras idas à escola preparatória, às opas de silêncios sobre aquilo que os outros não deveriam saber, acrescentando ainda a partilha do estudo e dos saberes e até os incentivos para as responsabilidades escolares e outras, foram muitas e diversas as nossas experiências conjuntas e se fomos aprendendo com elas…
Posso registar com carinho, agora que praticamente um quarto de século passou sobre a hora de finados, tratou-se de um triénio prenhe de laços e alegria que teve o seu momento mais alto no Verão que se seguiu à dispensa dos exames de aprovação no ciclo preparatório, durante o qual, nos meses de Julho e Agosto, tive o prazer da sua companhia na casa balnear que os meus pais possuíam em Sesimbra. Quando em Setembro seguia a caminho do Luso, para as três semanas que a família aí costumava passar, a fim de o meu pai usar as termas, nesse ano eu sentia-me o miúdo mais feliz do mundo.
Obviamente a mãe dela tinha confiança em mim o que não era nada de espantar. Afinal, eu era filho de uma família decente e respeitada e sob os meus tectos tinha ela acesso a programas televisivos e discos ou pistas de automóveis e carros telecomandados, além dos livros, e de modo algum passaria pela cabeça de alguém ver algum mal nisso. No que me toca, também eu era da casa e tinha toda a liberdade de entrar enquanto os seus pais cumpriam as jornadas fabris de sustento.
Começou por ser uma relação pueril do ponto de vista do afecto nada mais que sucessivas e quase diárias reafirmações da aliança e, no plano da carne, apenas ultrapassando os esporádicos abraços mais apertados de um ou outro pé de dança, com o encostar das coxas nos bancos das camionetas da carreira e as mãos dadas por debaixo do balandrau que se fazia com as pastas e algum casaco ou blusão.
A ela dei o primeiro beijo nos lábios e igualmente o primeiro no rosto. E é claro que não nos ficámos por aí. Foi pois na sua pele eriçada que os meus dedos púberes se iniciaram a percorrer e desenhar mapas de carícias e, na ternura acanhada da vez primeira, se aventuraram a passar sob o elástico do soutien em busca de uns mamilos retesados sob o ritmo da arfagem. E as mãos baptismais que se tocaram e retocaram nos sexos um do outro, em uma ou outra ocasião nus. Demo-nos mesmo aos primeiros toques de libelinha na corola de uma flor melada e como nos sentíamos bem, cientes de estarmos plenos de céu.
Por fim a vida separou-nos. Ela entrou para a escola comercial e os estudos acabaram por nos remeter para caminhos separados, no decurso dos quais outros rostos surgiram e aos poucos ganharam predominância e tanto ela como eu nos entrgámos a outros corações.
Hoje nada resta, a não ser a memória e é só ela que me possibilita reviver o meu primeiro namoro e sobretudo identificar a minha primeira namorada que, um dia, me chamou à janela e me entregou um bilhetinho escrito à mão em papel de caderno.
“-Lê isso e depois devolve-me com a resposta” –Disse ela fechando-me a vidraça na cara, tão inesperadamente como me entregara a missiva.
Já não serei capaz de repor tudo o que lá estava escrito, mas sei que começava sem apelo nem agravo por um isoladíssimo amo-te. Só depois explicava a razão de ser daquele amor e manifestava a vontade de saber se eu estaria ou não interessado em me entender de namoro com ela.
Creiam ou não, após a leitura fiquei atónito. Senti uma arritmia repentina e uma crispação ao nível da barriga, à medida que o rosto aquecia de forma assustadora até ao ponto de incómodo. Jamais experimentara aquelas sensações e se me perguntassem, no momento, certamente seria incapaz de dizer o que se estaria a passar comigo.
No dia seguinte eu disse-lhe que também a amava.
Crato, 20 de Fevereiro de 1996
sexta-feira, 9 de fevereiro de 2007
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5 comentários:
A minha primeira namorada não foi a Júlia, mas foi a a´primeira namorada com tudo o que isso representa. O primeiro namoro tem a magia que mais nenhum tem. É a magia do contacto visual e das promessas de um futuro para sempre.
Confesso que namorei muitas vezes pela primeira vez, mas elas não sabiam. A primeira que soube disso, foi a primeira de facto, a quem dei as mãos e a vida.
Podia ser melhor (ou pior), porque a Paula apesar de saber que eu namorava com ela, estava dividida. um dia passava-me Cartão, no outro nem por isso. A Paula "tinha dias" e o nosso namoro reconhecido acabava e recomeçava todos os dias. Um dia era o João o preferido no outro era eu.
Foi um grande sofrimento. Amei profundamente; mas era amor de borboleta, pelo menos o dela: morria todos os dias.Mas valia a pena pensar nela todos os dias como se o mundo acabasse nesse mesmo dia....
Enfim!
Luís Mourinha
(continuação)
Com a Paula aprendi que o amor nem sempre é correspondido e que o sofrimento acompanha o mais nobre dos sentimentos. Foi demasiado duro para uma primeira experiência amorosa. Pensar todos os dias numa pessoa, que só pensa em nós de vez em quando, é difícil de suportar.
O que eu não sabia e só fiquei a saber mais tarde é que o primeiro namoro não é para sempre. Poderia ser, mas não foi.
O que eu não sabia e só fiquei a saber mais tarde é que as primeiras relações amorosas têm um carácter mais provisório do que definitivo; que o mundo não desaba, quando o amor acaba, mesmo quando vai acabando e recomeçando todos os dias.
Fiquei a saber, já nesses tempos, que as coisas amorosas são o que que são e quando são. Lembro-me que fiz esta descoberta, quando mais tarde, ao ouvir um programa de Rádio que me servia de fundo e companhia ao estudo da Faculdade, numa das muitas noites fechado num quarto pequeno (mas exclusivamente meu)na Rua da Corça em Alhos Vedros. Era um Programa da Rádio Renascença em que, entre músicas se contavam Estórias. Dizia o Animador radiofonico, que antigamente os namorados iam namorar para o Jardim Público e perto de uma árvore escolhida a gosto dos dois escreviam o nome de cada um (tipo: Paula MAIS Luís)e por baixo: "Para sempre". Hoje em dia (naquele tempo e hoje também)repetem-se os nomes dos envolvidos, com o respectivo Cupido e por baixo a frase: "por enquanto".
Percebi que tudo se tinha relativizado ao ritmo de uma sociedade sem tempo para manter vínculos, a uma velocidade vertiginosa.
Luís Mourinha
Ai a magia do primeiro amor. É verdadeira a máxima "Não há amor como o primeiro". Fica escrito nas estrelas. Também foi uma Paula. Tinhamos 9/10 anos. Ainda hoje, quando nos cruzamos, mantemos o mesmo olhar cúmplice que assinala o testemunho daquele fugaz encontro de trinta e muitos anos. Acordo selado para o infinito com um beijinho nos lábios. Naquele tempo ainda não se usava a troca das línguas. Isto, se é que tudo não passou dum sonho.
Luis Carlos
Permita-me um singelo contributo para este agradável espaço.
Num dia de insolvência insolente, dissoluta e solvente em planos de ânimos saturados de cargas semânticas falsas, incolores, híbridas.
Como tu.
Cheio de abstractas linhas geométricas e belas curvas de ângulos rectos, no meu triângulo de quatro faces falta uma face. A face que me ofereces, triste e opulenta de sombras que iluminam o teu olhar e mortificam o meu sorriso. Só as lágrimas consegues gerar nos outros, não são lágrimas salgadas das águas profundas da alma insípida e superficial, nem o sangue quente de uma juventude perdida no frio árctico de um Agosto próximo num Alentejo distante.
Quem sofre mais? O enamorado não correspondido, ou o não enamorado que não pode aceitar uma paixão que não lhe pertence, e por isso mesmo sofre, enquanto a indesejada paixão o sufoca? Paixão extrapolada em lágrimas, eximias mestras da esgrima do pensamento e sentimento… reencontro atrasado de um passado não vivido e de um presente já passado…
Lágrimas, apenas lágrimas, e nada mais que isso.
Lágrimas ocas contra um interior tão rico como o teu. Tu és o humano mais humano que conheço, e no entanto tentas esconder a tua humanidade por debaixo de uma máscara gélida… imponente distância inútil, ingénua… gostavas de ser ignorado, mas isso é impossível, ignorar o impossível e dissolver-se no possível seria o maior crime desta impensável humanidade. A fusão com o possível, é a morte da essência, a eloquência de uns na má vivência de outros…
Vazio, frio… Distante e gritante na troça estreante da bondosa maldade inocente…
Tu que tens a beleza da sabedoria e o dom da sensibilidade, não te afastes de nós, nem negues quem és. Desprezar é mentir, aceitar é curvar, sentir é viver!
E se eu dedicar este texto à minha amada, será que ela vai sentir o mesmo que eu escrevi, ou vai sentir o mesmo que eu desejei?
João P. Pereira
Bom dia, João, muitíssimo bonito o teu texto e é um contributo que muito nos alegra e de singelo só tem a tua humildade que ainda mais embeleza as tuas palavras. Raramente lemos coisas tão belas e cheias de interesse nas caixinhas dos comentários. Muitíssimo obrigada por esta prenda que recebemos logo pela manhã para que o dia seja melhor.
Um abraço, João
Luís F. de A. Gomes
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