O Manuel Basculho é um dos sem abrigo de Alhos Vedros.É sabido que tem um quarteirão de milhares de euros no Banco, mas prefere antes viver na rua do que pagar guarida num desses lares para a 3ª idade.Hoje, vai-se arrastando de esquina em esquina, de banco em banco de jardim, por lugares semi-ocultos, não sejam demais os olhos que o olhem. Come quase nada. Dorme pelos buracos. Veste umas calças que eram de tom claro. E à sua volta vai-se moldando um ar nauseabundo, insuportável.Naturalmente, tem dificuldade em impor a sua presença e suportar o olhar dos outros, acabando por comprar alguma pouca comida de fugida e tem até, por isso, dificuldade em arranjar umas garrafitas de vinho. Diz que já não bebe por causa do fígado. Sonha com postas de bacalhau cozido com batatas. Se é que ainda sonha. Eu acho que sim.Tem 68 anos de idade, mas não recebe reforma alguma. Provavelmente, porque nunca teve capacidade para se deslocar até ao Barreiro, à Segurança Social, meter os papéis, nem teve ninguém que se dispusesse a fazer isso por ele, o que sem dúvida constitui uma missão muito difícil para qualquer humano com falta de asas, como eu.O Manel nasceu no Pinhal Castanho. Naquele tempo passavam-se carradas de fome, diz, pelas alturas em que o seu pai foi para a Guerra. Foi fazendo de tudo um pouco para sobreviver. Alguns contam que foi pedreiro. E, depois, o Manel é daquelas personagens sobre quem se contam sempre muitas estórias. Uma vez, dizem, ao construir uma casa de banho, esqueceu-se de fazer a porta e ficou fechado lá dentro. Outra vez, ao reconstruir o muro da fábrica do Cabrita, quase a concluir a obra, pediu a alguém que ficasse a segurar o muro, enquanto ele ia beber uns copitos de vinho, não fosse o muro cair.Nunca se lhe conheceu companheira, ou talvez até tenha sido tudo por um desgosto de amor. Sabe-se que enquanto a mãe viveu, vivia desintegradamente integrado. Agora já nem isso. Há quem diga que é deles o Reino dos Céus. Será?
Luís Santos
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