domingo, 18 de março de 2007

NORPORTE

NORPORTE

Ainda hoje conto esta Estória aos meus alunos:

Aos 13 /14 anos, ainda a frequentar o 9º Ano, marquei posição lá em casa. Estava farto da Escola. Disse ao meu pai, em tom de desafio:"tou farto! Quero ir trabalhar. Preciso de ganhar dinheiro". Perante a minha insistência, o meu pai considerou a hipótese, depois de explicar as dificuldades da vida, as vantagens do estudo, o futuro… a importância da Formação, de um emprego seguro. Enfim, todos os esforços de explicação caíram em saco roto.
Um dia, em pleno Julho, já em período de Férias Grandes, apresentou-me uma sugestão. Tinha pedido um favor a um amigo. O Clemente pediria para me arranjarem um trabalho. Por especial favor, conseguia encaixar-me nas obras da Norporte, uma tal fábrica de Confecções que estava a ser construída lá para a zona das Morçoas. Aceitei! Finalmente ia ganhar dinheiro e conquistar a independência (libertar-me dos pais, da falta de dinheiro e da Escola).
No terceiro dia de Férias lá estava a apresentar-me ao trabalho. Uma Segunda-feira quente, daquele calor que queima o pescoço e acende a alma. Estava entusiasmado; a minha vida começava a dar a dar a volta por cima. Estava agradecido ao meu pai e ao Sr. Clemente. Finalmente alguém tinha ouvido as minhas preces.
Trabalhei dois dias! Ao terceiro dia, acordei cedo, não para dar entrada em mais um dia de serviço nas Obras, mas sim para ter uma conversa com o meu pai. Com as mãos em sangue marcadas pelo ritmo da picareta, com um cor de pele escura e seca pelo impacto do ciemnto, num corpo dorido, decidi perguntar ao meu pai se ainda poderia aceitar uma sugestão, que há dois dias me tinha apresentado: “se é isso que queres vai. Vai trabalhar. Mas se mudares de ideias e quiseres voltar à Escola, podes fazê-lo.

Pelo que me lembro essas foram as melhores férias da minha vida. Mesmo passadas em Alhos Vedros num calor solitário, a contrastar com as ausências dos meus amigos no Algarve, pude descansar as mãos e ponderar os benefícios de pensar no futuro, durante mais uns anos, em casa, protegido pelos pais, afastado da dureza da picareta, do peso da pá de servente e dos maus tratos dos Chefes Pedreiros.

O que fiquei a saber mais tarde é que a permissão do Pai Mourinha, para me deixar trabalhar como gente grande, foi preparada e bem pensada por ele e pelo Sr.Clemente. Imagino que terão falado em surdina, ao ritmo de um branquinho, no Café do Zé António e terá sido qualquer coisa assim: “se o rapaz quer mesmo trabalhar, então fazemos-lhe a vontade. Vamos arranjar-lhe o melhor de todos: há caboucos para abrir nas Obras da Norporte. Dou-he uma semana e depois muda de ideias."

Este episódio da minha vida foi um marco importante para o meu crescimento. Tenho vida antes e depois da Norprte. Foi um incentivo para o estudo. Obrigou-me a olhar em frente e não apenas no imediato, pois o dinheiro que se ganha agora em nome da independência pessoal, pode ser verdadeiramente castrador. Temos que aceitar as boas oportunidades que os mais velhos nos dão.

Hoje conto esta estória aos meus alunos, que se enfadam com a Escola e agradeço do fundo do coração ao meu Pai e ao Sr. Clemente, que já não estão entre nós, mas que tomaram uma parte muito significativa da minha vida de adolescente.
MUITO OBRIGADO!

Luís Mourinha

2 comentários:

Joaquim Nobre (JJ©N) disse...

Uma lição de vida que valeu outro rumo mais acertado para a tua vida profissional! Ainda bem!!!

Passaram muitos por lá que fizeram o mesmo, ainda eram jovens como tu, ainda estavam a tempo de mudar.

Eu infelizmente, já não era tão novo assim...

Um abraço.

ESTÓRIAS DE ALHOS VEDROS disse...

São lições da vida, das quais podemos tirar ilacções. Para mim, foi importante ter-me confrontado com a vida difícil do trabalho manual, duro, difícil. Hoje reconheço a força de carácter do meu pai e também a importância das oportunidades que nos surgem durante a vida, que podemos (ou não) "agarrar".
Cada vez que passo por lá lembro este episódio da minha existência. Ficou registado para sempre!

Luís Mourinha