segunda-feira, 23 de abril de 2007

Dia da Liberdade



Nesse dia algo de novo aconteceu…
As pessoas reuniram-se junto á rádio eufóricas e assimilavam cada palavra numa mistura de surpresa e entusiasmo.
Não compreendi o que se estava a passar, mas dava a sensação que este dia iria revelar-se muito especial.

As pessoas juntavam-se cada vez mais na rua, mas as conversas eram confusas e não revelavam minimamente o sucedido. Apanhava palavras soltas, como liberdade, fim do fascismo, revolução, Lisboa, a tropa, mas afinal o que queria dizer tudo isso?
Os dias anteriores tinham sido normais como sempre, nunca tinha ouvido nada de estranho, indícios que levassem a prever esta situação.
Os gritos continuavam, o receio de alguns passou a ser de alegria entusiasmante e a exaltação era contagiante.

Então um grupo entre a multidão começou a erguer uma barreira na estrada principal do bairro, como se alguém lhes tivesse dado ordens para o efeito. A multidão em alvoroço, posicionou-se ao longo da estrada em expectativa do que poderia vir-se a passar.
Os veículos passaram a ter que parar no local e todos eram revistados ao pormenor.
Mas o que procurariam eles? Tudo isto era uma surpresa para mim…

No fim da rua observei que alguém tinha colocado uma tábua com pregos ao contrário no meio da estrada para evitar que os condutores pudessem escapar do local.
Passado algum tempo a coisa funcionou, um condutor abrandou antes do agrupamento da revista, esquivou-se por um dos lados ultrapassando as pessoas e seguiu em frente até ao fim da rua onde estava a tábua, passou por cima rebentando os pneus, mas mesmo assim desapareceu de vista, parecendo ter algo a esconder.
O dia passou-se nisto e ninguém se preocupava em explicar aos mais jovens no local o que realmente estava a acontecer. Para uma criança de 10 anos tudo isto era incompreensível. Continuavam a manifestar palavras de ordem, como fim do fascismo, revolução, liberdade, liberdade…
Nunca abandonei o local continuando a assistir ao espectáculo com alguns, poucos amigos, ali reunidos e a família. Era algo extraordinário de se ver, um acontecimento fora do normal a que não estávamos habituados…

Ao fim da tarde algo aconteceu de novo. Um novo grupo repentinamente reuniu-se aos gritos e iniciou marcha apressada para a rua ao lado proferindo palavras de ordem, como; “vamos apanhar o fascista, o gajo da Pide”.
Eu instintivamente segui atrás deles para ver o que mais poderia vir a acontecer…
Então vi um individuo a ser arrastado de casa á força, agredido violentamente e obrigado a caminhar em frente da multidão, continuando a ser esmurrado e pontapeado ao longo da “procissão”, que o ia exibido nas ruas do bairro como um prisioneiro de guerra.
Era emocionante assistir a tudo isto, mas confesso ter ficado com pena do homem, que conhecia de vista, não compreendendo o motivo desta acção violenta que nunca na vida tinha presenciado….
Acabei por separar-me da multidão, voltando para casa, ficando sem saber do destino de tal individuo.

Pouco a pouco fui assimilando o sucedido e com os dias, fui compreendendo todos aqueles estranhos acontecimentos.
Para isso foi importante a posterior explicação de meu pai, que até ao momento nunca tinha comentado esses factos da sua vida particular e dos Portugueses em geral, das notícias seguintes nos meios de informação ou comentários entre as pessoas, que agora falavam á vontade e diziam coisas impensáveis ás dias atrás.
Tudo ficou mais claro para mim, a situação politica do país anterior e posterior ao 25 de Abril, o motivo da revolução, os cravos, as canções, os discursos, etc.
O quotidiano pareceu alterar-se um pouco depois de tudo isto, as pessoas mais velhas falavam agora livremente, o entusiasmo era geral e o desejo de dias melhores parecia ser a grande esperança de todos.

Compreendi que afinal, tinha tido o privilégio de assistir ao primeiro dia da Liberdade em Portugal com mudanças profundas na vida de todos nós!

Mas parece que tudo isso foi insuficiente para conseguir um Portugal melhor, hoje além da liberdade (cada vez mais condicionada), o país continua a precisar de outra revolução; a da “Mentalidade”!!!


Joaquim Nobre
© JJCN

4 comentários:

ESTÓRIAS DE ALHOS VEDROS disse...

Não podia ser mais oportuna a sua estória. Eu tinha mais três anos, mas a sua descrição do 25 de Abril de 1974 descreve muito bem grande parte do que vi durante esse dia. Lembro-me também da invasão de que foram alvo as casas dos mais ricos cá da terra. Alguns entravam e traziam pequenos "recuerdos"... Lembro-me também das agressões verbais e morais que fizeram ao Director do Liceu Nacional do Barreiro (Casquilhos), mas essas só no dia seguinte ao da revolução, porque para meu regozijo no Dia da Liberdade tinha sido feriado.

ESTÓRIAS DE ALHOS VEDROS disse...

Faltou a assinatura...

Luis Santos

CIDE disse...

UMA ESTÓRIA QUE JÁ TINHA SIDO ESCRITA NESTE BLOG.

Nesse tempo, todos os jovens (ou quase todos) eram marxistas. Para além de ser uma forma de afirmação e de rebeldia contra os mais velhos, sentia-se a necessidade de participar na vida activa das vilas e cidades. E ai o Marxismo era a resposta mais óbvia e imediata.Não esquecer que se viviam momentos imediatamente a seguir ao 25 de Abril, em que as preocupações sociais e as reinvindicações políticas eram imperativos de cidadania. Era o MRPP, a UDP, o PCP, etc, etc, e até a famosa F.L.A.V. (Frente de Libertação de Alhos Vedros), que davam o tom às conversas e indicavam o rumo a seguir aos mais jovens; eram (vistas as coisas, com o devido tempo e distância afectiva para melhor as poder pensar) ... eram uma espécie de ditaduras do pensamento, mascaradas com suposições de ideais de salvação do mundo em geral e do povo em particular .Recordo-me dos alunos da Escola Secundária Provisória da Moita (cá em baixo, em frente à Piscina e à Escola Primária) subirem às mesas da Sala de Alunos e gritarem: "Estamos de Greve". Um famoso membro da UEC (Juventude Comunista), salvo o erro o João Paulo, apresentou em Plenário uma Lista de reinvindicações justas e perfeitamente realizáveis: cadeiras estufadas para os alunos em todas as salas de aula, transportes gratuítos, a demissão de Professores que não se regessem pelas normas do Povo e o direito à greve sempre que os alunos considerem necessário. Tudo se pronuciava em voz bem alta, com confirmações de "Já!" e "Em nome do Povo". A Revolução estava a caminho!
E depois havia a "Auto-Crítica", espécie de confissão dos pecados políticos cometidos (sem a presença do Padre), em actos de pequeno-burguês (muito censurados na altura), tipo, não comparecer na Reunião do Partido, uma conversa com o vizinho de partido diferente e de aparência burguesa, a compra de objecto de valor, que poderia chocar a sensibilidade proletária, etc, etc.
Sou da opinião de que foram tempos de crescimento e de amadurecimento colectivo. Toda a gente participava em algo: no Partido, nas Associações na Comissão de Moradores ou em serviços de ajuda à Comunidade. Pena que não se tenham aproveitado essas experiências e que a História se tenha que repetir, ao ponto de sonharmos com a nova Revolução.
Quanto à FLAV, muito se poderia dizer, mas sobre isso o amigo Luís Gomes sabe muito mais que eu. Seja como for, essa organização deixou marcas nas nossas mentes, por tudo o que representava. Na verdade, nem existia formalmente, mas batia-se por ideais de autonomia de Alhos Vedros. Pode parecer ridículo, mas fazia sentido no seu tempo; entre as principais palavras de ordem, contam-se as seguintes:
- Pela autonomia de Alhos Vedros!
- Contra o Domínio exterior!
- Não à Baixa da Banheira!
Nesses tempos a entrada na União Europeia era uma impossibilidade estratégica. Alhos Vedros nunca receberia a Estrela Azul da U.E. como país federado e a Baixa da Banheira teria que falar outra língua não fosse haver para ai alguma confusão de identidade.
É claro que os tempos são outros e as sensiblidades são agora diferentes. Fosse lá algum Camarada, afirmar que queria ser Empressário? Nem sonhar com isso. Era na altura o equivalente a alguém que hoje tivesse a veleidade de desejar ser Professor (mais ou menos isso). Era uma afronta! Seria linchado ou banido do mapa politico, ou no mínimo, acusado de pequeno-burguês ou parasita da sociedade. Todos os homens de bem teriam de ser proletários, benfiquistas (isto sou eu a brincar, recordando o lema do Bom Chefe de Família) e vassalos do "Bem Comum". Gritava-se ao ritmo de Marx:
- "Proletários de todo o Mundo: uni-vos!"
Luís Mourinha

CIDE disse...

Mais uma Estória que já tinha sido escrita neste Blog, mas que vem a propósito.


DAQUI FALA O MOVIMENTO DAS FORÇAS INTERROGATIVAS (M.F.I.)
"O Povo Unido Jamais Será vencido"

Recordo esta frase, como se fosse hoje. Era uma máxima popular do pós-vinte e cinco de abril de 74 e através dela se reuniam forças e convicções. Nesse dia não tive aulas. A Escola de Alhos Vedros fechou portas e as pessoas estavam todas na rua. Confesso que foi um dia estranho, que só assimilei mais tarde, dentro daquilo que era possível nos meus onze anos de idade. As festas de 1 de Maio, Dia do Trabalhador, abriram-me algumas portas da minha lucidez ainda muito afectada. Não poderia ser mau: dias sem aulas, festas nas ruas, pessoas felizes, liberdade de expressão e o fim da Guerra Colonial. Nesse dia histórico fomos para Lisboa, ao som das buzinas do Ami 8. No Parque Eduardo VII bandeiras e multidões gritavam em unissono: "O Povo Unido, jamais será vencido". "Fascismo nunca mais". Era insólito, estranho, novo... mas era real. Gritei, porque todos gritavam e nesses prantos de alegria percebi que se tratava do inicio de uma nova Era. Era o primeiro dia do resto das nossas vidas jovens e promissoras.
Outros tempos, tempos idos, convições passadas, ideologias vencidas.Na verdade, hoje em dia as convicções são outras e as energias/ forças estão concentradas/ apontadas noutros sentidos.
O que é verdade é que o povo foi vencido e a democracia já não se compadece com etimologias ou convicções passadas. O governo já não é do povo e já nem se sabe o que é o povo. Aliás, ninguém é povo. Todos se consideram acima do povo ou pelo menos à margem desse antigo cliché.
O que é verdade é que já não reconhecemos a democracia que descobrimos em Abril, nem se sabe ao certo onde se "situa", se bem que todos afirmamos viver num sistema democrático.
Se é verdade que a democracia actual venceu o povo de Abril, também é verdade que é preciso repensar o que é isso de democracia no Portugal do Século XXI. O que é que a UE e a globalização fizeram aos ideais do Vinte Cinco de abril? Onde está o povo que jamais seria vencido? Quem tramou (e calou)o povo que jamais seria vencido?
(Daqui fala o Movimento das Forças Interrogativas (MFI),
com uma série de perguntas e perplexides.

Luís Mourinha