sábado, 28 de julho de 2007

QUEM VAI VAI, QUEM ESTÁ ESTÁ

O ESTÓRIAS DE ALHOS VEDROS vai de férias, mas deixa-vos uma das suas primeiras publicações: "Vive e Deixa viver", um tributo ao Manuel Neto e uma mensagem sobre a o valor da liberdade individual (de escolha).

Fica também um abraço a todos os nossos leitores, que nos têm acompanhado ao longo deste ano de experiências partilhadas.



Vive e deixa viver
(ao Manuel Neto)

Quando o questionavam sobre seu o modo de vida, Manel Neto, respondia imperativamente: "quem vai vai, quem está está". Sentado à porta da taverna, mesmo no centro da Vila, por onde passavam conhecidos e desconhecidos, Manuel Neto trazia consigo um curriculum invejável: contava-se que nas inúmeras incursões ao balcão da tasca, era capaz de beber um garrafão de vinho, acompanhado de uma e apenas uma azeitona. Se é verdade ou não, nem sabemos (nem interessa para o caso)... mas à porta da tasca, lugar sacralizado pela sua presença diária, o taberneiro colocou uma cadeira onde o religioso se sentava e de onde poderia ver o mundo, claro está o seu mundo, mergulhado no licor que lhe dava cor à vida. De lá, perante o mundo suspirava aforismos sábios sobre o que lhe parecia ser a vida. A mais profunda e sábia foi aquela, cuja mensagem afastava todos aqueles que lhe queriam impor uma forma de vida, com a qual não se identificava: "amigo não empata amigo; inimigo muito menos"; mensagem essa, muitas vezes expressa no aforismo: "quem vai vai, quem está está".E para quem parecia nada saber de ética ou de respeito pela vida dos outros, o Manel, analfabeto de formação, dava lições de alta cultura: quem passa deve seguir o seu caminho e deixar estar quem está, na sua vida, como acha que deve estar.Figura bem popular, amigo de toda a gente, pacifista por integridade, o que não quer dizer que estivesse isento de algumas súbitas fúrias, o Manel Neto era saudado por todos e a todos saudava.Há uma estória engraçada que se conta a seu respeito. Uma vez que foi ao (saudoso) Cinema de Alhos Vedros com o seu filho "Lhites", ao ver aparecer o Leão da Rank Filmes que lhe serve de genérico, vira-se para ele e diz: "Vamos embora "Lhites" que o pai já viu este filme." Uma outra das suas imagens de marca era o seu trinado dentário. Enquanto esbaforia os mais enternecidos vapores etílicos, rangia os dentes de tal forma que pareciam afinados pares de castanholas, findo do qual elegantemente rematava: "Aí, Cão da Lama".Com Carisma e com princípios, que faltam a muita boa gente hoje em dia. Saber viver e deixar viver é um princípio ético muito importante. Nele se resume muito do que se diz (ou se pode dizer) sobre a liberdade individual. Liberdade de cada um poder escolher a sua própria vida, sem imposições exteriores, desde que essa Liberdade individual não interfira com a Liberdade dos outros. Assim se resumia o Aforismo Kantiano, de que "a minha liberdade termina quando começa a do outro", da mesma forma que Manel Neto reafirmava o postulado: "Quem vai vai, quem está está".

2 comentários:

Estudo Geral disse...

Modéstia à parte, pela parte que me toca, pressinto no textinho uma inegável qualidade literária e científica. Enfim, são congratulações pelos homens que nos fizémos e das momórias dos tempos de uma infância bem sucedida. E quando falo de nós, logo incluo automaticamente todos os outros nossos amigos, e até inimigos (se é que os temos), que têm partilhado esta vida connosco. Bem hajam.

CIDE disse...

Sem dúvida e com modéstia e tudo, o texto tem mesmo alguma qualidade. É retrospectivo e analitico; olha para trás e pespectiva o futuro, na pessoa do manuel Neto.

Luís Mourinha