segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Em jeito de discussão aberta

A crença geral anterior era de que Santana Lopes não servia, bem como Cavaco, Durão e Guterres.
Agora dizemos que Sócrates não serve.
E o que vier depois de Sócrates também não servirá para nada.
Por isso começo a suspeitar que o problema não está no trapalhão que foi Santana Lopes ou na farsa que é o Sócrates.
O problema está em nós. Nós como povo.
Nós como matéria prima de um país.
Porque pertenço a um país onde a ESPERTEZA é a moeda sempre valorizada, tanto ou mais do que o euro.
Um país onde ficar rico da noite para o dia é uma virtude maisapreciada do que formar uma família baseada em valores e respeito aos demais.
Pertenço a um país onde, lamentavelmente, os jornais jamais poderão ser vendidos como em outros países, isto é, pondo umas caixas nos passeios onde se paga por um só jornal E SE TIRA UM SÓ JORNAL, DEIXANDO-SE OS DEMAIS ONDE ESTÃO.
Pertenço ao país onde as EMPRESAS PRIVADAS são fornecedoras particulares dos seus empregados pouco honestos, que levam para casa, como se fosse correcto, folhas de papel, lápis, canetas, clips e tudo o que possa ser útil para os trabalhos de escola dos filhos ....e para eles mesmos.
Pertenço a um país onde as pessoas se sentem espertas porqueconseguiram comprar um descodificador falso da TV Cabo, onde se frauda a declaração de IRS para não pagar ou pagar menos impostos.
Pertenço a um país:
- Onde a falta de pontualidade é um hábito;
- Onde os directores das empresas não valorizam o capital humano.
- Onde há pouco interesse pela ecologia, onde as pessoas atiram lixo nas ruas e, depois, reclamam do governo por não limpar os esgotos.
- Onde pessoas se queixam que a luz e a água são serviços caros.
- Onde não existe a cultura pela leitura (onde os nossos jovens dizem que é "muito chato ter que ler") e não há consciência nem memória política, histórica nem económica.
- Onde os nossos políticos trabalham dois dias por semana para aprovar projectos e leis que só servem para caçar os pobres, arreliar a classemédia e beneficiar alguns.
Pertenço a um país onde as cartas de condução e as declarações médicaspodem ser "compradas", sem se fazer qualquer exame.
- Um país onde uma pessoa de idade avançada, ou uma mulher com uma criança nos braços, ou um inválido, fica em pé no autocarro, enquanto a pessoa que está sentada finge que dorme para não lhe dar o lugar.
- Um país no qual a prioridade de passagem é para o carro e não para o peão.
- Um país onde fazemos muitas coisas erradas, mas estamos sempre a criticar os nossos governantes.
- Quanto mais analiso os defeitos de Santana Lopes e de Sócrates, melhor me sinto como pessoa, apesar de que ainda ontem corrompi um guarda de trânsito para não ser multado.
- Quanto mais digo o quanto o Cavaco é culpado, melhor sou eu como português, apesar de que ainda hoje pela manhã explorei um cliente que confiava em mim, o que me ajudou a pagar algumas dívidas.
Não. Não. Não. Já basta.
Como "matéria prima" de um país, temos muitas coisas boas, mas falta muito para sermos os homens e as mulheres que o nosso país precisa.
Esses defeitos, essa "CHICO-ESPERTERTICE PORTUGUESA" congénita, essa desonestidade em pequena escala, que depois cresce e evolui até se converter em casos escandalosos na política, essa falta de qualidade humana, mais do que Santana, Guterres, Cavaco ou Sócrates, é que é real e honestamente má, porque todos eles são portugueses como nós, ELEITOS POR NÓS. Nascidos aqui, não noutra parte...
Fico triste.
Porque, ainda que Sócrates se fosse embora hoje, o próximo que o suceder terá que continuar a trabalhar com a mesma matéria prima defeituosa que, como povo, somos nós mesmos.
E não poderá fazer nada...
Não tenho nenhuma garantia de que alguém possa fazer melhor, mas enquanto alguém não sinalizar um caminho destinado a erradicar primeiro os vícios que temos como povo, ninguém servirá.
Nem serviu Santana, nem serviu Guterres, não serviu Cavaco, nem serve Sócrates e nem servirá o que vier.
Qual é a alternativa?
Precisamos de mais um ditador, para que nos faça cumprir a lei com a força e por meio do terror?
Aqui faz falta outra coisa. E enquanto essa "outra coisa" não comece a surgir de baixo para cima, ou de cima para baixo, ou do centro para os lados, ou como queiram, seguiremos igualmente condenados, igualmente estancados....igualmente abusados!
É muito bom ser português. Mas quando essa portugalidade autóctone começa a ser um empecilho às nossas possibilidades de desenvolvimento como Nação, então tudo muda...
Não esperemos acender uma vela a todos os santos, a ver se nos mandam um messias.
Nós temos que mudar. Um novo governante com os mesmos portugueses nada poderá fazer.
Está muito claro... Somos nós que temos que mudar.
Sim, creio que isto encaixa muito bem em tudo o que anda a acontecer-nos:
Desculpamos a mediocridade de programas de televisão nefastos e, francamente, tolerantes com o fracasso.
É a indústria da desculpa e da estupidez.
Agora, depois desta mensagem, francamente, decidi procurar oresponsável, não para o castigar, mas para lhe exigir (sim, exigir)que melhore o seu comportamento e que não se faça de mouco, de desentendido.
Sim, decidi procurar o responsável e ESTOU SEGURO DE QUE O ENCONTRAREI QUANDO ME OLHAR NO ESPELHO.
AÍ ESTÁ. NÃO PRECISO PROCURÁ-LO NOUTRO LADO.
E você, o que pensa?.... MEDITE!

EDUARDO PRADO COELHO

P.S.:Eduardo Prado Coelho, antes de falecer, teve a lucidez de nos deixar esta reflexão, sobre nós todos, que merece uma leitura atenta.O texto é extenso, mas lê-se facilmente, e vale a pena ler (mesmo que não se concorde com tudo, a ideia base é o que importa!). Cada um que interprete como bem entender...

(enviado pela Fernanda Gil)

13 comentários:

ESTÓRIAS DE ALHOS VEDROS disse...

Resumindo: Escreveu Prado Coelho que o país tem um problema real, que somos TODOS NÒS, e propõe que a resolução do problema passa pela mudança que cada um pode fazer ao olhar para si próprio.

O diagnóstico está correcto, mas a receita é fraquinha.

Se as pessoas soubessem como podem ser melhores não duvido que tudo fariam para o conseguir. O problema é que não sabem.

E se alguma coisa sabem, as mudanças que almejam são de superior grandeza com fortíssimas resistências. A estrutura de uma pessoa, de uma sociedade, é um processo de uma longa evolução, desde o cu dos tempos, que muda devagar, devagarinho. Bem, talvez no tempo longo, por vezes, venham dilúvios e se extingam dinossauros.

Mas há uma receita melhor, mais completa? Penso que sim. Passa pela inventariação do que é ser melhor, porque a partir daí alguma coisa, devagarinho, se poderá melhorar. E o que é afinal? Será que é o Melhoral?

Luis Santos

CIDE disse...

Melhoral ou Xanax?
Eis o Dilema!
Sócrates (o grandeee)no Séc. V a.C, afirmava que para se ser justo teriamos de saber o que é a JUSTIÇA. Iniciava-se assim o pensamento antropólogico, que valoriazava o conhecimento e o AUTO-CONHECIMENTO. Cada um teria de se exceder a si próprio, conhecendo-se (daí o famoso aforismo:"Conhece-te a ti mesmo")
Hoje perdeu-se esse ideal, andamos todos à deriva, porque nem o poder político sabe para onde vai e muito menos se conhece...
Resta-nos o Xanax, enquanto não há medicamento capaz de melhorar o nosso ânimo.

MJC disse...

As reflexões do EPC são marca de uma pessoa culta.
Culta que não só portadora de muito conhecimento .
Há pessoas que têm muitos conhecimentos e não são cultas, ao mesmo tempo que há pessoas quase analfabetas que revelam uma sabedoria tocante e comovedora.
A forma como se incorporam os saberes sinaliza a direcção dos percursos.
Uns ascendem, outros quedam-se pelo papaguear pedante e exibicionista.
Aquilo de que o EPC fala, parece-me, é da noção e do respeito do/pelo outro a partir de nós próprios e, também, talvez, da noção do eu a partir do outro.
É uma reflexão luminosa que implica uma atitude natural e aberta à crítica e à autocrítica construtivas e construtoras.
É um repicar de sinos que alerta para que paremos e re-paremos, olhemos e observemos, para dentro e para fora, e depois ousemos mudar o que, em silêncio com nós próprios, entendamos dever ser mudado.
A verdadeira transformação corre por dentro.
Creio, parece-me ...

Parabéns à Fernanda por ter tocado o sino neste campanário.

m.j.

Felicidade na Educação disse...

Concordo com tudo... só que temos também em Portugal um consumo de antidepressivos e similares 3 vezes superiores à média da UE in Público. Já agora, o consumo destes produtos ronda a metade da população da UE de acordo com a entrevistada Ana Benavente a um programa de rádio.
Fim de Civilização?...Se calhar.
E nós na ponta... Meditar é preciso!
Que ninguém se assuste - Mas é preciso mudar interiormente.
: ) Eduardo Espírito Santo

ESTÓRIAS DE ALHOS VEDROS disse...

Há um jovem que se olha no espelho, dá umas tossidelas violentas, sente alguma pieira na respiração e pensa: É do tabaco, tenho de deixar de fumar. Sem dúvida que isso provocaria alguma mudança interior. Os anos passam e sempre o mesmo lamento ao espelho se vai repetindo. Entre-tanto, não perde oportunidade para criticar o governo pela fumarada industrial, pelo fumo dos automóveis, pelo buraco do ozono... A culpa está sempre na porta do lado.

E quem fala do tabaco, fala do álcool, da alimentação, da preguiça, da falta de exercício físico.

Um dia destes ainda hei-de ajudar a minha mulher a lavar a roupa dos miúdos...

Luis Santos

A.Tapadinhas disse...

O final deste texto é exemplar.
Parece um final daqueles policiais em que o criminoso é quem menos pensamos, por exemplo, o mordomo!
Um dia destes hei-de mudar as fraldas ao meu neto!
Abraços.
António

ESTÓRIAS DE ALHOS VEDROS disse...

Ainda um dia destes hei-de parar para não fazer nada, contemplar o Mundo e deixar de pensar no trabalho.
Luís Mourinha

Felicidade na Educação disse...

Afinal se queremos mudar... e não conseguimos mudar... voltemos a ler EPC... já Unamuno dizia algo de muito crítico sobre nós.

Devagarinho não se vai, talvez a rir com os Gatos... Gil Vicente, coisa e tal..

Isto é uma gataria pegada!
Eduardo

Estudo Geral disse...

Vamos à inventariação: mudar o quê? mudar porquê? mudar como?

Princípio fundamental: Uma vez dotados de um precioso corpo humano, nave tão difícil de obter, milagre dos milagres da Mãe Natureza, que fazer com ele?

Estou ao espelho: o que vejo? Um homem de meia idade, madeixas brancas pintadas pela natureza, assolam-lhe algumas malecas que lhe tiram a graça de uma vida saudável, de imediato tem no trabalho, a sua principal fonte de subsistência, de bem-aventuranças, de dificuldades imensas que lhe esgotam a vida.

Paremos por aqui. As nossas reflexões ao espelho têm dado vários livros, mas não é isto que se quer agora. A pergunta agora é: face às constatações descritas em cima, mudar o quê? mudar como?

1) meia idade, madeixas brancas, o que fazer?

Não há muito a fazer. Tentar preservar a saúde da melhor maneira que se souber para envelhecer em paz e morrer sem dor.
Mas a impotência de alterar o curso natural das coisas é o sentimento dominante. Deparamos com uma realidade holística, onde se tudo liga a tudo, e onde a nossa capacidade de inflenciar, alterar, essa realidade é muitíssimo limitada. É verdade que já conseguimos grandes feitos. É verdade que mantemos a vontade de ganhar a Vida... Será que me podem ajudar a ser mais eficazes neste sentimento de querer mudar para melhor?

(continua)

Luis Carlos

jm disse...

Pequena contribuição para a utopia:
A qualidade de vida começa dentro da cabeça.
"A pressa é inimiga da refeição."
"A fadiga é inimiga da segurança."

Felicidade na Educação disse...

Existe uma variável que altera todas as variáveis... holística...reside nos lóbulos frontais do cérebro e no hipocampo... e precisa de ser avivada pelo EDUCERE que está dramaticamente omisso na promesssa da Educação.
O problema é que as pessoas estão apegadas às ilusões, credos, medos e inércias culturais... etnocentrismo, como se diz em Antropologia.

De acordo com omeu amigo Flórido:"FESTINA LENTE" - APRESSA-TE DEVAGAR...

Estudo Geral disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Estudo Geral disse...

...regresso ao espelho.

1)meia idade, madeixas brancas. Por agora, penso só naquilo que vejo.

Mudar o quê? mudar como?

Apressa-te devagar. Recordo-me de uma ideia que iniciámos uma década atrás, a "Empresa do Futuro - com urgência, mas sem pressas". E a empresa ainda existe.

Sente-se como o Mar, onde as águas se balançam ao ritmo da música atmosférica. Às vezes uma imensa tranquilidade, outras vezes tempestade. Mas por mais agitadas que se vejam as águas à superfície, no fundo tudo tranquilo. Bem, digamos, quase tudo tranquilo. É uma paz, uma calmia, uma eterna esperança de sempre renascer.

Vejo no espelho homens de meia idade, madeixas brancas. Mudar o quê, mudar como, mudar porquê?

P.S.: desculpem a tardia correcção. assim estará mais conforme...