O Sebastião tinha um qualquer problema com os copos de tinto, de tal foma que não os podia ver cheios. E vai daí, daqueles copos grandes de água, jogava-os à boca e nem tocava nas campainhas. Bebia muitos por dia. Até porque trazia consigo o dia todo. O vinho talvez funcionasse para si como o amigo que nunca chegara a ter. Ou a companheira que nunca se lhe conheceu. Ou o filho que um dia sonhou ver nascido. Nunca se lhe ouviu dizer mais que duas palavras seguidas e a intervalos muito grandes. É um homem do silêncio: sim, sim; não , não. Tudo o resto são obras do diabo. Taberna e terceiras de tinto, eis a terna razão da sua Vida. De forma surpreendente, subitamente, deixou o vinho. Agora só sumo de laranja. O médico disse-lhe que tinha de deixar de beber e ele cumpriu sem hesitação. Diminuída a ansiedade do vício, é impressionante a calma com que sentado no muro defronte da porta da igreja aguarda a sua moedinha. Até parece que o tempo parou e que, de coração amansado, guarda em si boa parte da tranquilidade que há no mundo, esse bem tão precioso e tão escasso.
luis carlos